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Introdução – eBook de Viagens
A maioria das pessoas tem em mente um Iraque em guerra, aquele que vêem na televisão. Realmente, por todo o país, vivem-se momentos de tensão e conflito.
Há, porem, um Iraque diferente, numa zona a norte do país, que mantém uma independência de-facto desde a primeira guerra do Golfo, em 1991.
«…Eu, na verdade, ia só para ficar dois ou três dias mas acabei por ficar os dez dias que o visto que me deram na fronteira me permitia. Acompanhe dia-a-dia, esta aventura de 13 dias saindo de Istambul na Turquia ate ao Norte do Iraque.»
5º Dia – Sexta-feira, 14 Agosto 2009 – Excerto do eBook
Dohuk, Akre (à boleia)
Era sexta-feira, feriado semanal muçulmano em que tudo fecha das 10 às 15 horas, mas aproveitei a manhã para explorar algumas zonas da cidade que ainda não conhecia, fui ao parque de diversões Dream City e dar uma volta ao supermercado, onde comprei uma bússola.
Estava tudo fechado na cidade. No Islão, as sextas-feiras devem ser aproveitadas em reminiscência de Deus, dia de oração e união dos praticantes da religião para partilharem uma refeição em comunidade.
Voltei ao hotel, onde estive na conversa com o dono, que me informou que eu deveria ir até Lalish para ver o templo da sua religião, Yazidi.
A religião Yazidi que remonta a cerca de 2000 a.C. tem cerca de oitocentos mil seguidores em todo o mundo e foi outrora uma religião habitual por entre os curdos, até à islamização obrigatória reduzir o seu número de praticantes.
De acordo com as crenças yazidis, Deus criou o mundo, deixando-o à guarda de sete Seres Santos, os anjos dos Sete Mistérios.
O anjo superior chama-se Melek Ta’us, o Anjo Pavão. Há um conflito directo entre os yazidis e os muçulmanos, judeus e cristãos, já que um outro nome para Melek Ta’us é “Shaytan”, que em árabe quer dizer diabo.
Na verdade, ele é o mesmo Ser mas, nas suas duas versões, representa uma visão completamente diferente da história da Criação do Mundo.
Satanás, para os muçulmanos, é um jinn criado por Deus juntamente com os anjos e os humanos. Ao contrário dos anjos, os jinns e os humanos tinham a aptidão do livre-arbítrio.
No Islão, Iblis é então um jinn renegado que recusou obedecer a Deus perante a ordem de se submeter a Adão e foi enviado para o inferno, enquanto que Melek Ta’us, o primeiro anjo yazidi dos sete criados por Deus, quando recusou submeter-se a Adão, foi congratulado por ter consciência da sua superioridade e enviado para a Terra como seu representante supremo.
Houve, durante a história, várias tentativas de extermínio destes seguidores um pouco por todo o Médio Oriente e hoje, apesar da legislação estar do seu lado considerando-os livres de exercerem a sua fé, há um desconfiar geral da maior parte dos muçulmanos, já que os yazidis adoram aquele que o Islão mais despreza.
Com toda esta história por trás, eu tinha mesmo que tentar ir até Lalish para o local de culto desta tão polémica religião. Era ali que todos os yazidis têm de ir em peregrinação, pelo menos uma vez na vida. Ainda para mais porque fui informado que a sexta- feira e o Sábado eram os dias de enchente no recinto. Teria hipótese de ver muita gente e, mais ao menos, perceber como se pratica o culto a Melek Ta’us.
Havia táxis até ao templo mas custavam cerca de 30,000 dinares, só ida. Por isso, resolvi apanhar um só até à saída da cidade e lá meter-me à boleia.
O primeiro carro que parou levou-me até ao controlo policial da cidade. A polícia questionou-me acerca do que estava ali a fazer e passou-se da cabeça quando eu disse que ia à boleia ou a pé, ou… Inshallah, até Lalish. Fez questão de me arranjar um carro que me levasse.
Um senhor parou mas não podia levar-me por razões de segurança, pois era político e não podia ter estrangeiros no seu veículo. Após vários carros pararem, descobri que Lalish era fora do caminho de tudo o resto e que teria antes de ir até Sheikhan e daí apanhar um outro transporte até ao templo Yazidi.
Um outro carro parou e um senhor que falava bem inglês disse que me levava até à intersecção de Sheikhan. Wow!
Metendo conversa, este senhor de nome Bayar disse-me que ia até Akre, a cerca de 130 quilómetros, ficava lá durante 3 horas e voltava a Dohuk. Estas palavras foram bilhete directo para ir conhecer Akre, cidade fabulosa com vistas impressionantes, cascatas e nascentes de água.
Bayar trabalhava para uma empresa de comércio de fertilizantes e ia até Akre, em negócios, encontrar-se com um agricultor local. Deu-me boleia ida e volta, levou-me a visitar umas cascatas, pagou-me o almoço e foi super simpático.
Não fui a Lalish mas andei 3 horas a explorar Akre com dois jovens que meteram conversa comigo e que me guiaram pelos melhores locais, me levaram a conhecer os seus amigos, a visitar nascentes e cascatas e me pagaram chá e gelado.
O Ismail e o Ivan explicaram-me, mais ou menos, que a cidade tinha muitos judeus e que havia um militar famoso israelita que tinha nascido ali (mais tarde informei-me e é o antigo Ministro da Defesa Yitzhak Mordechai).
Levaram-me a conhecer a nascente de Kanizark, zona de recreio onde dezenas de jovens se banham e escapam ao calor do Verão.
De volta a Dohuk, fui para a Internet, dei mais umas voltas pela cidade e, ao anoitecer, fui à Gely, zona muito movimentada do vale da cidade com imensa água, repuxos e cafés onde toda a gente se junta para ver e ser visto.
Voltei ao hotel, comi uma fruta que comprei no mercado e dormi.
Acerca do autor
João Leitão nasceu em Alvalade – Lisboa em 1980. Artista plástico de formação, sempre aliou a sua maneira de viver através da descoberta pessoal pelo caminho da viagem, seja ela espiritual ou física.
Viajante compulsivo, faz da sua vida uma aprendizagem, assimilando culturas, religiões, história, aventuras e amizades pelo mundo fora.
Até aos 30 anos de idade já tinha vivido em cidades como Évora – Portugal, Nova Iorque – EUA, Almaty – Cazaquistão, Kankaanpää – Finlândia, Marraquexe, Erfoud, Ouarzazate – Marrocos, Lviv – Ucrânia e Istambul – Turquia.
Pessoa prática, não procura escrever romances, mas sim relatos de viagem com experiências pessoais, explicando o contexto histórico-socio-cultural dos lugares por onde passa.
Tenta assim incentivar à auto-concretização, fazer aprender culturas e descrever aos leitores, países interessantes e longe do nosso dia-a-dia normal.