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Visitar Mossul
Mossul. Uma palavra que durante meses inspirou cabeçalhos de jornais e foi pronunciada vezes sem conta na abertura de telejornais.
De forma geral, o Iraque nunca foi um local muito procurado por turistas. A última vez que a região apresentou um panorama estável, oferecendo algumas condições para uma exploração independente e segura… bem, alguns poderão dizer que essa época remonta à época de Saddam Hussein, quando o Iraque era o mais desenvolvido e rico país do Médio Oriente.
Nas posteriores guerras e invasão unilateral do Iraque pelos Estados Unidos, o clima de insegurança generalizado e a anarquia política antecedeu o aparecimento e alastramento do Estado Islâmico (EI/ISIS/DAESH).
Portanto, o Iraque nunca foi um país muito aberto ao turismo, mas isso não implica que não seja riquíssimo do ponto de vista de potencial histórico e cultural para os que conseguiram e se atrevam a visitá-lo. E Mossul é disso um bom exemplo.
Contudo, os três anos de guerra com o ISIS deixaram marcas arrasadoras na cidade e o seu património histórico sofreu, tal como os seus habitantes, perdas incalculáveis. Talvez no futuro se construam ali réplica dos monumentos perdidos sob o fogo dos bombardeamentos, tal como se fez em tantas cidades europeias após a Segunda Guerra Mundial. Mas de algumas das suas jóias arquitectónicas mais preciosas resta-nos hoje a memória.
Durante as minhas viagens, faço sempre questão de visitar lugares históricos. Consequentemente, toda esta destruição que vi foi difícil de digerir mentalmente. Ainda hoje não consegui processar o que vi em Mossul.
Ficam aqui os exemplos mais significativos do que se perdeu para sempre, pelo menos na sua forma original.
Património de Mossul destruído durante a Guerra com o Estado Islâmico
Para além destes monumentos históricos, destruídos intencionalmente pelo Estado Islâmico, muitos outros pereceram durante os combates, devido aos bombardeamentos e explosões decorrentes da refrega.
Além de edifícios históricos relevantes, os fundamentalistas demoliram edifícios de valor histórico baixo, mas de relevância cultural e comunitária.
Mausoléus e cemitérios, mesquitas chiitas, bibliotecas, igrejas e centros de conhecimento laico, como a Universidade de Mossul, transformada para fins militares.
A ASOR Cultural Heritage Initiatives, uma ONG que monitoriza património cultural em risco, reportou danos significativos em 57 imóveis históricos devido à batalha para a libertação de Mossul. As Nações Unidas dizem que apenas no centro histórico de Mossul foram destruídos 490 edifícios e cerca de 5.000 foram danificados.
Talvez um dia se faça um levantamento completo das perdas, mas todo o centro histórico de Mossul e uma parte significativa da restante área urbana ficaram reduzidos a escombros. Portanto, dezenas senão centenas de pequenas mesquitas, fontes, habitações históricas, praças e vielas de longa idade, mercados e templos de religiões diversas terão sido perdidos.
Todas as igrejas de Mossul foram destruídas pelo ISIS após a tomada da cidade em Junho de 2014.
Património destruído em Mossul
Mesquita do Profeta Jonas (Yunus, ou Younis): erigida em 1172 por Nuriddin Zangi junto à Mesquita Omíada, descrita pelo grande viajante medieval proveniente de Marrocos, Ibn Battuta. Destruída.
Mesquita Omíada: construída em 640 a mando de Utba bin Farqad Al-Salami, foi a primeira mesquita de Mossul e até 2014 o seu minarete caracterizava-se por uma inclinação semelhante à da torre de Pisa. Destruída em 2017.
Mausoléu do Imam Awn al-Din: datado de 1278 foi uma das poucas estruturas de Mossul a sobreviver às invasões mongóis. Mas não conseguiu o mesmo perante o Estado Islâmico. Foi demolido com recurso a explosivos e bulldozers a 25 de Julho de 2014.
Mesquita de Al-Qubba Husseiniya: destruída pelo ISIS em 2014.
Mausoléu da Rapariga: também conhecido como Qabr al-Bint, adquiriu este nome devido à crença popular de que ali foi sepultada uma moça que morreu de amores, mas mais provavelmente trata-se do túmulo de Ali ibn al-Athir, um escolástico medieval. Destruído em 2014.
Mesquita Verde: construída em 1151 e conhecida até ao século XIV como Mesquita Al-Mujahidi, em honra ao seu mentor. Outro nome pelo qual era conhecida era Al-Rabad, ou seja, “dos arredores”, pois era aqui que vinham os crentes dos subúrbios de Mossul, sem acesso às congestionadas mesquitas centrais da cidade. Foi quase abandonada na época das invasões mongóis mas sobreviveu e em 1718 foi totalmente restaurada. Foi dinamitada pelo ISIS em 2015.
Túmulo do Profeta Daniel: destruído em Julho de 2014 com recurso a explosivos;
Mesquita Hamu Al-Qadu: datada de 1880, esta mesquita continha o mausoléu de Ala-al-din Ibn Abdul Qadir Gilani: foi destruída em Março de 2015.
Igreja da Virgem Maria: destruída com explosivos em Julho de 2014;
Mosteiro de Dair Mal Elia: a mais antiga instituição do género em todo o país, destruído no final do verão de 2014;
Igreja de Al Tahera: construída no século XX e alegadamente destruída pelo ISIS em Fevereiro de 2015;
Igreja de São Markourkas: construída no século X e parte da Igreja Católica Caldeia até à sua destruição a 9 de Março de 2015, assim como o antigo cemitério que se lhe encontrava anexado;
Igreja de Sa’a Qadima: construída em 1872, destruída em Abril de 2016;
Lugar Arqueológico de Nineveh: as ruínas da antiga capital Assíria foram saqueadas por elementos do Estado Islâmico, que procederam a escavações na tentativas de encontrar artefactos arqueológicos e destruíram diversas das estruturas antigas ali existentes, como o Palácio de Sennacherib.
Fortificações Antigas de Mossul: em Janeiro de 2015 o ISIS destruiu uma boa parte da muralha da antiga cidade de Nineveh, que se localizava no bairro de al-Tahrir. Uns meses mais tarde demoliram outros segmentos das muralhas, incluindo os portões históricos de Mashka e Adad.
Castelo de Bash Tapia: construído no século XII como uma das sete fortalezas que defendiam Mossul, viu bastante acção durante o cerco que os persas fizeram a Mossul durante a guerra que os opôs ao Império Otomano em 1743. Após a invasão dos EUA em 2003 foi negligenciado e em 2014 estava reduzido a ruínas, tendo sido ainda mais danificado pelo Estado Islâmico, em Abril de 2015.
Espólio do Museu de Mossul: em Fevereiro de 2015 o ISIS procedeu à destruição de um número significativo de peças da colecção do Museu de Mossul. Quase todas datavam da era Assíria e tinham sido encontrados na antiga cidade de Hatra.
Cemitério de Guerra Inglês: criado em 1915 para receber os restos mortais dos militares britânicos caídos em combate no contexto da Primeira Guerra Mundial. Destruído pelo ISIS.
Mossul: Um pouco de História
Mossul foi construída no local onde existia previamente uma fortaleza assíria mas antes da cidade existia já uma presença humana que remonta pelo menos a 8000 anos atrás. Esteve na Antiguidade muito ligada àquela civilização e chegou a ser capital. No século VI b.C. era um importante entreposto comercial persa e depois da desintegração do império de Alexandre o Grande foi integrada na nova força política da região, o império Selêucida.
Os Partos conquistaram Mossul em 224 a.C. e quatrocentos anos depois passaram para as mãos dos Sassânidas Persas. Finalmente, em 637 os árabes chegaram e com eles trouxeram o Islão. Os Omíadas fizeram de Mossul capital da Mesopotâmia, no século VIII, e a partir daí a importância da cidade cresceu.
A Baixa Idade Média trouxe uma certa estabilidade à região. Durante a dinastia Abássida Mossul era um importante entreposto comercial, mercê da sua localização estratégica que controlava as rotas terrestres provenientes da Índia.
Por volta de 1120 tornou-se o centro político da dinastia Zengida. 1182 foi o ano em que o famoso Saladino tentou conquistar a cidade. Sitiou-a, mas sem sucesso. Melhor saíram-se os mongóis, que no século XIV conquistaram Mossul e a arrasaram.
Foram os Otomanos que ao a integraram no seu império a reconstruíram. Conseguiram recuperá-la totalmente, mas o seu anterior esplendor nunca regressou apesar do boom económico registado após a descoberta de petróleo na região, no século XIX. Fez parte do Império Otomano até ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918.
Depois de um período de administração britânica, o actual Iraque tornou-se independente, em 1932, e Mossul passou a fazer parte da nova nação.
Em 1967 foi criada a Universidade de Mossul, elevando a cidade ao estatuto de capital cultural do norte do Iraque.
No final do século XX a cidade manteve-se em relativa segurança durante a guerra com o Irão e as acções militares que se seguiram à invasão do Kuwait por parte do Iraque. Veio depois o ataque dos EUA, que em 2003 atacou o Iraque e derrubou o regime de Sadam Hussein. A 11 de Abril a cidade caiu, depois da retirada do 5º Corpo do Exército Iraquiano. Foi nas suas ruas que os filhos do ditador deposto, Uday Hussein e Qusay Hussein, foram abatidos pelas tropas ocupantes.
Desde a ocupação norte-americana Mossul tornou-se uma cidade declaradamente insegura, com tiroteios frequentes, ataques bombistas, por vezes suicidas, e muita tensão. Por exemplo, em Junho de 2004 uma série de carros armadilhados explodiram, num ataque concertado, matando mais de 60 pessoas e ferindo 220. Em Novembro do mesmo ano a oposição armada contra os EUA e os combates assumiram dimensões de uma verdadeira batalha, com centenas de baixas entre todas as partes envolvidas e entre a população civil.
Na primeira metade de 2008 a situação repetiu-se. Desta vez o Estado Islâmico esteve já envolvido na tentativa de ocupar Mossul, agindo com uma complexa coligação de contornos tribais. Os combates prosseguiram durante cerca de seis meses, com avanços e recuos de ambas as partes. Os ataques à bomba sucederam-se, com centenas de vítimas militares e civis.
Quando o Estado Islâmico atacou e conquistou Mossul, em Junho de 2014, as coisas não melhoraram. Seguiram-se dois anos de ocupação brutal e a destruição quase total durante a batalha para a recuperação da cidade por parte das tropas governamentais apoiadas pelos EUA.
Estado Islâmico e Mossul (timeline)
O Estado Islâmico toma Mossul (2014)
2014. O fenómeno do Estado Islâmico assombra o mundo e, no Iraque, as suas conquistas territoriais sucedem-se. Faluja cai a 4 de Janeiro e em Junho todos os olhos se viram para Mossul.
Na primeira semana desse mês o Estado Islâmico lança uma ofensiva geral no norte do Iraque e Mossul, uma cidade que com quase dois milhões de habitantes e a terceira maior do país, é claramente o alvo principal.
Encontra-se fortemente defendida por tropas governamentais, um exército com cerca de 30 mil homens, apoiados por forças policiais com provavelmente o mesmo número de elementos. Os atacantes não seriam mais de mil e quinhentos, mas estão motivados, movidos por uma vontade inabalável de vencer e estão superiormente organizados, treinados e equipados.
Os radicais islâmicos tomam a base militar de Ghizlani e a prisão de Badush, libertando os 1.200 prisioneiros que se encontravam detidos nestes dois locais e engrossando assim o seu contingente.
Em apenas seis dias tudo fica decidido. Os soldados governamentais retiram para o norte da cidade, deixando o aeroporto e o centro de Mossul nas mãos do DAESH, que adquire com a operação material bélico de considerável valor.
Militares do exército são vistos a abandonar as suas armas e a despojar-se dos seus uniformes, juntando-se à imensa massa humana que abandona a cidade em desespero. Ao todo estima-se que 500 mil pessoas, um quarto da população de Mossul, tenham participado no êxodo.
A 10 de Junho o Estado Islâmico controla totalmente Mossul. Nem as mal preparadas forças governamentais ali estacionadas os tinham conseguido deter, nem os apelos de Bagdade aos curdos iraquianos no sentido de enviarem o exército da sua região autónoma, o eficiente Peshmerga, em auxílio da cidade.
Seguir-se-ão dois anos de ocupação, durante os quais o Estado Islâmico fez de Mossul a sua capital e que apenas terminará em 2017.
Mossul sob a Ocupação do Estado Islâmico (2014-2016)
O período em que Mossul permaneceu sob o controle do Estado Islâmico não foi fácil para os habitantes da cidade que não conseguiram fugir ou decidiram permanecer após a conquista de Janeiro de 2014, um total estimado de 1,5 milhões de pessoas.
Na cidade, entretanto proclamada capital do Estado Islâmico, as mulheres passaram a poder sair à rua apenas na companhia de parentes masculinos e com a obrigação de se cobrirem totalmente, incluindo luvas nas mãos. Houve notícias de esquemas envolvendo escravas sexuais vendidas pelo ISIS e de centenas de execuções de mulheres que se recusaram a satisfazer os apetites sexuais dos membros do grupo ou de trabalharem como escravas sexuais.
As minorias étnicas e religiosas foram perseguidas, sofrendo todo o tipo de atrocidades e muitos dos seus membros acabaram mesmo por ser executados. O património associado a estes grupos foi vandalizado ou destruído. Entre os imóveis danificados encontram-se quase todas as bibliotecas de Mossul, a mesquita do profeta Georges, a mesquita do profeta Yunus, o Museu de Mossul e o portão de Nergal.
As perdas materiais resultantes da ocupação da cidade são incalculáveis, assim como o são as perdas de vidas humanas. Foram milhares de execuções, por vezes individuais, por vezes colectivas. As razões apresentadas pelo ISIS foram diversas, mas por vezes as pessoas eram simplesmente mortas sem motivo aparente. Práticas homossexuais, recusa de acatar instruções das novas autoridades, apostasia, recusa de combater com as forças do ISIS, tentativa de abandonar a área controlada pelo grupo, traição. Alguns dos motivos mais frequentes. Mas existiram alguns episódios motivados por razões bem banais, como foi o caso dos treze adolescentes executados em Janeiro de 2015 por terem assistido a um desafio de futebol.
Os métodos de execução reportados foram diversos, alguns de crueldade extrema, como o afogamento em jaulas, a morte pelo fogo e até por ácido nítrico e por alcatrão fervente.
Libertação de Mossul (2016-2017)
A recuperação de Mossul por parte das forças governamentais não se fez a um só tempo, ao contrário da conquista por parte do Estado Islâmico, dois anos antes.
A operação iniciou-se em Outubro de 2016, quando as forças governamentais e as milícias que as apoiavam se começaram a concentrar em redor da cidade.
Seguiram-se nove meses de uma sangrenta batalha urbana, com a libertação de Mossul a ser anunciada com pompa e circunstância a 10 de Julho de 2017 por Haider al-Abadi, primeiro-ministro do Iraque.
Na realidade, talvez Mossul não esteja ainda recuperada. Oficialmente, sim, mas existem células adormecidas do DAESH e, pelo menos até há bem pouco tempo, existiam breves refregas ou ataques terroristas com uma frequência diária.
A minha viagem a Mossul
Não há outra forma de o dizer. A cidade de Mossul foi completamente destruída pela guerra. A tomada, por parte do ISIS, em 2014, criou significativa devastação e o período de governação do grupo radical não trouxe melhorias. Mas o pior foi a reconquista. Depois de meses de bombardeamentos por parte das forças iraquianas e de aviões norte-americanos, australianos e canadianos, não sobrou quase nada intacto.
A maioria das suas ruas transformaram-se em escombros e os edifícios que as ladeavam derrocaram, vergados pelas explosões. Segundo as Nações Unidas, dos 54 bairros residenciais de Mossul Ocidental, 15 sofreram pesados danos e 23 tiveram estragos consideráveis.
Mas há esperança, uma grande esperança, de que a normalidade possa voltar em breve à cidade. Pelo menos à superfície, porque do que ali se passou ficaram cicatrizes que precisarão de várias gerações para que se dissipem.
Para visitar Mossul é um pouco complicado, pois está sob o controlo de Bagdade, e o simples visto à chegada dado pela região curda não é suficiente.
Visitei Mossul em 2018, praticamente seis meses depois da libertação. Além do óbvio panorama chocante e devastador, vi também sinais animadores. À beira do rio Tigre, um local que outrora fervilhava de animação, as coisas regressam aos poucos à normalidade. Reaparecem as primeiras esplanadas, as pessoas dão sinais de querer voltar à vida.
Grande parte da cidade fora da zona antiga é, à primeira vista, uma cidade iraquiana normal, com gente na rua, lojas abertas e restaurante cheios.
A motivação das autoridades para a recuperação integral da cidade é evidente. Por exemplo, o Centro Histórico de Mossul foi em 2018 inscrito como candidato à lista de Património Mundial da Humanidade da UNESCO.
Universidade de Mossul
Vi coisas muito tristes durante a minha viagem a esta cidade. A Universidade de Mossul, uma das maiores do Médio Oriente, quase deixou de existir. O ISIS instalou ali uma base de operações e as forças da coligação não pouparam o complexo. Os bombardeamentos destruíram dezanove edifícios do campus. Apesar desta destruição, algumas partes da universidade já estavam abertas para receber alunos e professores.
Hotel Nineveh Oberoi
Estive junto ao que resta do Hotel Nineveh Oberoi. Foi construído junto à margem do rio Tigre em meados dos anos 80 do século passado, tornou-se um dos edifícios icónicos da cidade e na era de Saddam Hussein era ponto de permanência para as elites do regime que se deslocassem a Mossul. Tem onze andares, onde se encontram, ou encontravam, 265 quartos. Depois de ocupar a cidade o ISIS usou-o para alojar militantes combatentes estrangeiros e bombistas suicidas, mudando-lhe o nome para Hotel Waritheen. Quando a perda da cidade se tornou evidente, dinamitou o edifício, alegadamente para que não pudesse ser usado nos combates pelas forças governamentais.
Túmulo do profeta Jonas
Visitei o que sobrou da mesquita onde se encontra o túmulo do profeta Jonas, que sobreviveu a sete séculos de guerras mas não à fúria devastadora do Estado Islâmico, que a mandou dinamitar.
Foi difícil entrar aqui, já que há um guarda no recinto que não deixa ninguém passar. Depois de alguns sorrisos e palavras simpáticas, pude explorar à vontade, mas com o aviso de ser um lugar perigoso devido à possível derrocada de escombros.
Centro histórico de Mossul
Impressionou-me sobretudo o centro histórico de Mossul, um bairro com centenas de anos de existência que pereceu em apenas alguns meses. Foi o último bastião da resistência dos radicais islâmicos e sofreu assim os bombardeamentos mais intensos e por um período de tempo mais prolongado. No fim, ficou reduzido a um monte de escombros.
Ali, um elemento domina os sentidos: o cheiro. O cheiro a carne humana putrefacta, que emana dos cerca de 4000 corpos que jazem sob os escombros. O fedor é intenso, entranha-se e parece ameaçar pairar sobre Mossul para sempre, como um fantasma com uma história de morte para contar.
Barragem de Mossul
Estive na barragem de Mossul, uma obra monumental concluída nos anos 80 do século passado. Durante algum tempo abasteceu a grande cidade, fornecendo-lhe água e electricidade. Mas os sucessivos conflitos que se seguiram à sua conclusão foram-lhe quase fatais.
Hoje em dia os cortes de energia são frequentes e é evidente que a barragem necessita de obras urgentes. Existem relatórios alarmantes sobre a solidez da sua estrutura, mas devido à ameaça dos ISIS as necessárias obras não puderam ainda ser levadas a cabo.
Visitei a barragem de Mossul duas semanas depois de ter visitado a cidade.
Enquanto viajava um mês pelo Iraque de auto caravana, resolvi incluir algumas partes em zonas controladas pelo exército iraquiano no meu itinerário. Há uma estrada a norte de Mossul em que as autoridades me deixaram passar sem grande tipo de perguntas (o mesmo aconteceu quando visitei a Província de Diala).
Pode ler sobre a minha viagem de caravana pelo Iraque no meu blog em inglês
Van Life Iraq: One-month road trip with a camper van
Leituras acerca de Mossul
Se gosta de ler e tem interesse neste assunto, ficam aqui três sugestões para a sua biblioteca:
O enternecedor e, ao mesmo tempo, angustiante, diário de Lina, uma menina de nove anos que registou no seu diário os eventos, na sua perspectiva, que tiveram lugar durante a campanha do ISIS contra Mossul, em Junho de 2014.
Um livro de puro jornalismo de guerra no qual James Verini descreve o ambiente que envolveu a libertação de Mossul, pelos olhos de dois irmãos e sua família, de um oficial superior iraquiano, de elementos das milícias curdas e de um veterano do exército norte-americano.
O jornalista alemão Jurgen Todenhofer demorou meses a negociar com os seus contactos no ISIS uma visita à Mossul ocupada. O seu pedido acabou por ser aceite e deslocou-se àquela cidade iraquiana com o seu filho Frederic Todenhöfer, que fez a cobertura fotográfica da jornada. O livro não será tanto sobre Mossul e a sua ocupação mas mais sobre o movimento, as suas motivações e as perspectivas de alguns dos seus membros, mas é uma leitura interessante e informativa.